20 de out. de 2020

Direito Empresarial – Conceito, Origem e Princípios

Direito Empresarial – Conceito, Origem e Princípios


O Direito Empresarial pode ser conceituado como o conjunto específico de normas (regras e princípios) que disciplinam a atividade econômica organizada para produção ou circulação de bens ou serviços (empresa) e aqueles que a exercem profissionalmente (empresários).


Para evitar equívocos acerca da incidência de suas regras,  é preciso, pois, compreender que o direito empresarial não está relacionado a toda a ordem jurídica do mercado, mas apenas à parte dela, que tem a ver com a organização da empresa e com a interação entre empresas. Assim, tem-se que normas que regem as relações de emprego (Direito do Trabalhador) e de consumo (Direito do Consumidor) estão apartadas do Direito Empresarial.


Origem

Embora a atividade econômica exercida através da troca de bens esteja diretamente relacionada com o progresso da civilização, desde os primeiros passos, o mesmo não pode ser dito quanto às normas jurídicas reguladoras dessa atividade que durante a antiguidade eram esparsas e difusas, onde não é possível verificar um corpo específico e orgânico de normas relativas ao comércio.


Um sistema de direito comercial, ou seja, uma série de normas coordenadas a partir de princípios comuns, só começa a aparecer com a civilização comunal italiana, tão excepcionalmente rica de inspirações e impulso de toda ordem. Do meio para o fim da Idade Média, o comércio já atingira um estágio mais avançado, e não era mais uma característica de apenas alguns povos, mas de praticamente todos eles. É nessa época que se costuma apontar o surgimento das raízes do ius mercatorum, ou seja, um regime jurídico específico e autônomo, com características, institutos e princípios próprios, para a disciplina das relações mercantis.


É na civilização das comunas italianas que o direito comercial começa a afirmar-se em contraposição à civilização feudal, mas também distinguindo-se do direito romano comum, que, quase simultaneamente, se constitui e se impõe. O direito comercial aparece, por isso, como um fenômeno histórico, cuja origem é ligada à afirmação de uma civilização burguesa e urbana, pré-capitalista, na qual se desenvolve um novo espírito empreendedor e uma nova organização dos negócios.


Princípios do Direito Empresarial

Dada a autonomia substancial das atividades tipicamente empresariais, o Direito Empresarial também se distingue do Direito Civil por fundamen-tar-se numa principiologia própria, que destaca a imprescindibilidade da empresa como instrumento para o desenvolvimento econômico e social das sociedades contemporâneas, nas quais as bases do capitalismo – livre iniciativa, livre concorrência, propriedade privada e autonomia da vontade – já estão enraizadas e solidificadas como valores inegociáveis para a construção e manutenção de uma sociedade livre.


Esses princípios próprios do direito empresarial estão listados na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu art. 170, que elenca os princípios gerais da atividade econômica em nosso ordenamento jurídico, merecendo destaque alguns deles.


Princípio da Livre Iniciativa: 

Sendo o princípio fundamental do Direito Empresarial, o princípio da livre iniciativa se desdobra em quatro condições fundamentais para o funcionamento eficiente do modo de produção capitalista: 


I - imprescindibilidade da empresa privada para que a sociedade tenha acesso aos bens e serviços de que necessita para sobreviver; 

II - busca do lucro como principal motivação dos empresários;

III - necessidade jurídica de proteção do investimento privado; 

IV-  reconhecimento da empresa privada como polo gerador de empregos e de riquezas para a sociedade;


Embora a livre iniciativa não esteja elencada nos incisos do art. 170 da CF/1988, que dispõe sobre os princípios gerais da atividade econômica, está expressamente destacada no caput do referido dispositivo constitucional: 


A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios.


O parágrafo único do art. 170 também garante a livre-iniciativa, ao estabelecer que:


É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.


Porém, embora a Constituição assegure, em mais de um dispositivo, a livre-iniciativa, ela própria restringe esse princípio, de modo considerável, ao condicioná-lo ao atendimento de qualificações profissionais (art. 5.o, inciso XIII) ou ao submetê-lo excepcionalmente à necessidade de autorização prévia de órgãos públicos (art. 170, parágrafo único). 


De um ponto de vista liberal/libertário, a tese relativista acerca da livre iniciativa adotada pela CF não prospera pelos seguintes motivos; primeiro, a regulamentação de profissões feita com fundamento numa suposta “proteção da sociedade” peca por retirar do consumidor justamente o direito de decidir se contrata um profissional mais qualificado por um preço mais caro, ou se contrata um profissional menos qualificado por um preço mais barato. Afinal, é exatamente isso o que todos fazem ao contratar profissionais “não regulamentados”. De fato, a regulamentação carteliza o mercado e, como consequência inevitável, restringe a livre-iniciativa, encarecendo preços e estancando a inovação, sempre em benefício da classe regulamentada, mas em claro prejuízo ao público consumidor.


Segundo, o argumento de que certas profissões (medicina, engenharia, advocacia etc.), por envolverem risco, precisam de regulamentação estatal para proteger o consumidor contra maus profissionais, é também é falho, por pressupor que num ambiente de livre mercado seria inexistente qualquer tipo de autorregulação ou certificação profissional. A regulamentação estatal de profissões não assegura a competência de nenhum profissional regulamentado, sobretudo porque os conselhos criados pelo governo para exercer essa função são compostos pelos próprios profissionais, o que gera incentivos ao corporativismo e à criação de barreiras à entrada de concorrentes.

Princípio da função social da empresa

Obviamente, o mencionado art. 170 da Constituição Federal prevê a propriedade privada como um dos princípios gerais da atividade econômica (inciso II). Afinal, sem propriedade privada, especialmente quanto aos chamados bens de produção, não existe mercado. O mesmo dispositivo constitucional, no entanto, também prevê a função social da propriedade como princípio geral da atividade econômica (inciso III).


É dessa combinação de princípios – propriedade privada e função social da propriedade – que decorre um dos mais alardeados princípios do direito empresarial: a função social da empresa.


Quando se fala em função social da empresa faz-se referência à atividade empresarial em si, que decorre do uso dos chamados bens de produção pelos empresários. Como a propriedade (ou o poder de controle) desses bens está sujeita ao cumprimento de uma função social, nos termos do art. 5.o, inciso XXIII, da CF/1988, o exercício da empresa (atividade econômica organizada) também deve cumprir uma função social específica, a qual estará satisfeita quando houver criação de empregos, pagamento de tributos, geração de riqueza, contribuição para o desenvolvimento econômico, social e cultural do entorno, adoção de práticas sustentáveis e respeito aos direitos dos consumidores.


A empresa não deve, segundo os defensores desse princípio, apenas atender os interesses individuais do empresário individual, do titular da EIRELI ou dos sócios da sociedade empresária, mas também os interesses difusos e coletivos de todos aqueles que são afetados pelo exercício dela (trabalhadores, contribuintes, vizinhos, concorrentes, consumidores etc.).


Princípio da livre concorrência

A livre concorrência está expressamente elencada no art. 170 da CF/1988 como princípio geral da atividade econômica (inciso IV), e existem basicamente duas formas pelas quais o Estado se propõe a concretizar esse princípio: coibição das práticas de concorrência desleal, inclusive tipificando-as como crimes, e repressão ao abuso de poder econômico, caracterizando-os como infração contra a ordem econômica.


No primeiro caso, as sanções estão previstas nos arts. 183 e seguintes da Lei 9.279/1996, e o objeto da punição estatal são condutas que atingem um concorrente in concreto (por exemplo: contrafação de marca). No segundo caso, por sua vez, as sanções estão previstas no art. 36 da Lei 12.529/2011, e o objeto da punição estatal são condutas que atingem a concorrência in abstrato, isto é, o próprio ambiente concorrencial (por exemplo: formação de cartel).


Dadas as lições do economista austríaco Israel Kirzner em sua obra Competição e Atividade Empresarial, o processo de mercado é caracterizado pela ação de atores (empreendedores) conscientes de oportunidades de lucro, eles notam discrepâncias de preço (quer entre os preços ofertados e pedidos por compradores e vendedores do mesmo bem, quer entre o preço oferecido por compradores para um produto e pedido por vendedores para os recursos necessários) e adiantam-se para captar a diferença para si mesmos, através de suas compras e vendas empresariais. A competição, nesse processo, consiste em perceber possibilidades de oferecer, a outros participantes do mercado, oportunidades que são mais atraentes que as que estão sendo postas à sua disposição atualmente. Assim, em um ambiente onde não há barreiras quanto a ação dos agentes envolvidos, o processo de mercado é essencialmente competitivo. 


Seguindo a exposição realizada por Kirzner, ao considerar a competitividade do processo de mercado, para assegurar o princípio da livre concorrência (princípio esse já implícito no processo de mercado, por ser essencialmente competitivo), bastaria a garantia da liberdade de entrada, ou seja, a não existência de nenhum tipo de obstáculos ao exercício da atividade empresarial. No Brasil existe uma crença entre a doutrina predominante segunda a qual o estado deve intervir no processo de mercado, principalmente no tocante às praticas de concentração empresarial (fusões, incorporações, etc) e de condutas unilaterais dos próprios agentes economicos (precificação predatória por exemplo), com o fito de evitar um suposto prejuízo à livre concorrência. É daí que surge o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, responsável por uma maior interversão estatal na tentativa de reprimir essas ocorrências, o que por consequência gera uma redução da liberdade no exercício da atividade empresarial. 


Como visto, para que haja livre concorrência, basta apenas que o estada nada faça, deixando o mercado funcionar livremente de fato. Em apertada síntese, não havendo qualquer tipo de barreira, não há o que se falar em concorrência desleal. Se, por exemplo, não existir barreiras para que se possa empreender em uma mesma atividade, a concentração de grupos economicos não terá capacidade de criar monopólios. Enquanto que quem pratica o chamado dumping, ou seja, quem vende um produto por um preço inferior ao de custo para ganhar uma maior fatia de mercado, terá prejuízos na medida em que exerce tal prática, esgotando paulatinamente o seu capital que é sempre escasso, enquanto que aqueles que estão comprando por um preço mais baixo que o de custo podem formar estoques para vendas futuras com lucros, pois não há qualquer impedimento do tipo.


É salutar que a doutrina dominante não possua o domínio sobre o que há de mais moderno na análise econômica da atividade empresarial.


Princípio da preservação da empresa: 

Um dos princípios do direito empresarial mais alardeados pela doutrina especializada nos dias atuais é o princípio da preservação da empresa, o qual vem sendo amplamente difundido, inspirando alterações legislativas recentes, como a Lei 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas), e fundamentando inúmeras decisões judiciais.


O princípio da preservação da empresa também tem sido muito usado pelos tribunais pátrios para fundamentar decisões em matéria de dissolução de sociedades, falência, recuperação judicial etc. Nesses últimos casos, porém, é preciso ter muito cuidado para que a aplicação excessiva e sem critério do princípio não provoque a sua banalização. Muitas vezes atividades empresariais devem mesmo ser encerradas, e nesses casos impedir a falência do empresário ou da sociedade empresária contraria a ordem espontânea do mercado, sobretudo quando a manutenção de tais atividades é conseguida com os famigerados “pacotes de socorro” baixados pelo governo.


O capitalismo é um sistema no qual os empresários auferem lucros privados e sofrem prejuízos privados. Os “pacotes de socorro”, pois, desvirtuam a lógica natural do capitalismo, criando um sistema no qual os empresários bem relacionados auferem lucros privados, mas solidarizam suas perdas com a população. Em suma: o princípio da preservação da empresa não pode, jamais, conferir a certos empresários um “direito de não falir”, algo que infelizmente vem acontecendo com empresários que se dizem “grandes demais para quebrar” (too big to fail). O princípio da preservação da empresa é uma construção importante, mas sua aplicação deve limitar-se às situações em que o próprio mercado, espontaneamente, encontra soluções para a crise de um agente econômico, em bases consensuais. Infelizmente, não é o que temos visto ultimamente.


Fontes: 

1. Direito empresarial: volume único / André Luiz Santa Cruz Ramos. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.

2. Competição e atividade empresarial / Israel M. Kirzner; tradução de Ana Maria Sarda. – São Paulo: Instituto Ludwig von Mises. Brasil, 2012.


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